Estivesse vivo, Manoel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha ou simplesmente Garrincha (Magé, 28out33, Rio de Janeiro, 20jan83) teria completado 77 anos neste 28out10.
Depois de Pelé, o ponta-direita do Botafogo nos Anos 50 e 60 foi o maior de todos os tempos. Com ele e Pelé no time, a Seleção Brasileira jamais perdeu uma partida.
Pra homenagear esta personagem, que um dia vestiu a camisa do Cruzeiro por 45 minutos, contra o Democrata, em Governador Valadares, o PHD passa a palavra a José Lino Grunewald, que escreveu este preciso texto para a Folha de S. Paulo, em 1995
Marginal da lógica
JOSÉ LINO GRUNEWALD
Especial para a Folha, 22out95O que se entende por intuição em alguns dos seus momentos mais luminosos. Garrincha. A bola o sabia. Lá ia ele com ela, como um herói daqueles filmes ou histórias de capa e espada, driblando, esgrimindo contra guardas ou bandidos. Lá estava o arco à sua espera, embaixo dele, um goleiro em pânico diante das redes. Ou lá ia ele rumo à linha de fundo, de onde sempre saem os centros mais perigosos, quando a pelota pode encontrar um atacante de frente para o gol.
Alegria de viver, alegria de jogar. Tudo sob o perfume da inocência materializada naquelas pernas tortas, ambas arqueadas na mesma direção.
Para Nelson Rodrigues, era Seu Mané “a única sanidade mental do país”. E por quê? Porque “não precisava pensar”. Ou, segundo Armando Nogueira, “um herói pícaro brasileiríssimo” -aquele mesmo que não hesitou um segundo em fazer passar a bola por entre as pernas da cadeira que o técnico Zezé Moreira havia colocado em campo, perto da entrada da área, a fim de que os jogadores, ao ultrapassá-la, chutassem em gol.
Essa candura não impedia que fosse um jogador frio; não tremia. É a santa irresponsabilidade do inocente, quando um lance sempre será apenas um lance, na pelada em terreno baldio ou diante das multidões numa Copa do Mundo.
“Joões”
Todos que apareciam à sua frente a fim de barrá-lo, na lei ou na marra, seriam os eternos “joões” das várzeas ou dos estádios. E também os laterais-esquerdos, alguns de grande eficiência, que tinham de enfrentá-lo regularmente nos campeonatos regionais.
Deixaram seu depoimento, por exemplo, Jordan (do Flamengo), Coronel (do Vasco) e Altair (do Fluminense e da seleção brasileira). Os dois últimos chegaram a dizer que não dormiam direito nas vésperas de partida contra o Botafogo, ou seja, Seu Mané. Além deles, seu próprio companheiro de clube (e de seleção), o campeoníssimo Nilton Santos -outro lateral-esquerdo- falava das facilidades que ele possuía de despachar seu marcador.
Surgiu até a expressão idiomática -marcador do Garrincha- para designar pessoas em dificuldade ou, em certos locais, marido de mulher fogosa.
Atemporal
O guerrilheiro, o mago, o mágico, o marginal da lógica. Mas, muitos perguntam se, no futebol de hoje, com maior correria, maior preparo físico, melhores sistemas de cobertura, defesas mais compactas evitando-se o confronto individual, haveria espaço para as artes de Mané Garrincha.
Da dança de incredulidades, emergem pelo menos duas vozes das mais autorizadas, além daquela do já citado Nilton Santos: Telê e Didi -ambos grandes jogadores e grandes técnicos.
Telê, dono de objetividade e bom senso, declarou que ele “jogaria antes, hoje e depois”. Didi com sua frieza -não de inocência, mas de raciocínio- disse que deveríamos esperar cem anos para termos um outro Mané.
Afinidades
As invocações líricas e as comparações não poderiam faltar nesse carrossel de saudade e memórias desfechado pelo mito. Logo de saída, o nome de Charles Chaplin foi lembrado, em face de afinidades e analogias com o personagem de Carlitos.
Tudo certo: aquilo que Chaplin exprimiu no âmbito da estética cinematográfica se casa em fundo e forma com as piruetas futebolísticas do Garrincha. E não esquecer que o mesmo Chaplin, quando tira a máscara de inocência do vagabundo e faz Monsieur Verdoux, dá um derradeiro drible geral e depois, de propósito, entrega-se a polícia -ou seja, seus eternos marcadores.
No mesmo sentido lírico, vem outro grande -Vinicius de Moraes- quando compõem “O Anjo de Pernas Tortas”, Sobre Mané, ainda Paulo Mendes Campos e muitos outros vates derramaram seu verbo.
A cantora Elza Soares, sua antiga companheira, cantou a “alegria do povo em flor / no gramado do meu coração”. E comparou a sua pureza com água de uma correnteza.
Enfim, correndo noutra raia, o finado locutor Oduvaldo Cozzi (um dos maiores em sua profissão) comparou-o ao cavalo Gualicho, que, pela época, chegou a ser campeão das pistas brasileiras.
“Mané, até hoje o meu peito se expande”. Assim começava uma música de carnaval, em 1959, celebrando o feito do jogador, uma das peças básicas para a primeira conquista do campeonato mundial de futebol pelo Brasil, lá na Suécia, no ano anterior de 1958.
Fintas
Aqui, a nação virou festa e, lá, os suecos, a gargalhar e sorrir, mal podiam torcer por sua pátria, siderados que estavam pelos dribles daquele desengonçado ponta-direita. E, para ganhar sua posição de titular da seleção, teve também que driblar técnico, chefe da delegação, psicólogo e -quem sabe?- o dentista. Valeu-lhe o apoio de outros companheiros, especialmente Didi e Nilton Santos.
Depois, no Mundial de 1962, com o afastamento de Pelé contundido, tornou-se estrela absoluta do êxito de nosso escrete. Então, a glória o aureolou. Era um benfeitor público, “Alegria do Povo”, como clamava o filme de Joaquim Pedro de Andrade.
Em 1966, foi de novo convocado. Mas, foi assim, alquebrado, que chegou na Inglaterra. Apesar de tudo, além do gol anulado contra a Hungria, fez um belo gol de falta contra a Bulgária. Tal como, grande batedor, outros fizera. Dez anos atrás, seu primeiro gol de falta foi contra o Bonsucesso. E vale lembrar seus gols feitos entrando pelo meio da área: “Eu sempre joguei de meia-direita, aqui embaixo é que me botaram na ponta”.
Veio a decadência, a doença, a piedade alheia. Vítima da violência de marcadores, da ganância dos cartolas, das drogas e “tratamentos” para entrar em campo. Vítima de si mesmo, daquela inocência pagã com que se atirava ao álcool. Até porque, em sua intuição, sabia que o bar é o lugar onde pode o humanismo despontar em seus instantes mais elevados.
Se o mito traduz a concretização de uma “verdade coletiva”, aí está, no esporte, o de Garrincha. A verdade do prazer; o prazer de competir. Olimpicamente.
JOSÉ LINO GRUNEWALD é poeta e tradutor, autor de “Carlos Gardel, Lunfardo e Tango” (Nova Fronteira) e tradutor de “Cantos”, de Ezra Pound (Nova Fronteira), entre outros.
No meu tempo de jogador eu era ponta-direita da JUMA (Juventude Marianense), daqueles que se inspiravam no Mané para dar dribles e aprontar aquela correria em cima do lateral. meu pai também foi ponta-direita. Saudade desta época, do cheiro de éter do vestiário, a reza do Pai-Nosso, da distribuição dos uniformes lavados e relavados.
Para quem gosta destas histórias, e principalmente admira o Garrincha, recomendo a leitura do livro do Rui Castro “Estrela Solitária”. Tem muita história boa de bastidores do futebol.
Arrepiei ao lembrar do “do cheiro de éter do vestiário, a reza do Pai-Nosso, da distribuição dos uniformes lavados e relavados.” Eta época boa de Taça de Ouro e XV Veranistas…
Parabéns Garrincha!
E os meiões amarrados com elástico? E as bolas brancas repintadas com tinta a óleo ( a famosa G-18) que batia na canela e arrancava pelos. E os campos com aquelas touçeiras ( que alguns sacanas amarravam uma na outra provocando hilários tombos).
Tempo bom. Como no tempo do Mané, onde as fintas eram valorizadas como gols e os doutores da bola não as entendia como “humilhação aos adversários”. Quem sabia, fazia. Quem não sabia batia palmas. E o publico ia ao delírio.
Como eu sempre ia ao Mineirão prá ver JOÃOZINHO TRAVOLTA fazendo fila, mandando os manés prá cá e prá lá sem ao menos encostar o pé na redonda. Literalmente chamando os caras prá dançar. Futebol descompromissado, prá alegria de descompromissados como eu.
OLD TIMES! GOOD TIMES!
Não vi Garrinha jogar. Vi João Soares de Almeida FIlho, o Joãozinho, Bailarino da Toca. Guardadas as devidas proporções, joãozinho jogou MUITA bola e tinha o estilo moleque do MANÉ.
“Irreverência era o forte do “Bailarino”. Seu futebol tinha um quê de molecagem, de Garrincha. Assim como o gênio de pernas tortas, com o bailado do corpo, colocava adversário para um lado, partindo com a bola pelo outro.” ANDERSON OLIVIERI MENDES
Escreve agora um texto sobre o Marcelo Negrão.
Só se você postar aqui aquele seu texto sobre o “Gilsão Mão de Pilão”.
O Mané vestiu a camisa do Cruzeiro em um jogo contra o Democrata-GV; Em outra oportunidade, bateu no quarto do hotel onde o Cruzeiro estava concentrado e, ao ser recebido pelo goleiro Raul, foi perguntando: “Vim conhecer o melhor jogador do mundo”. Este era Dirceu Lopes. Dr. Mário Trigo tinha hilariantes histórias dele. Algumas estão no livro Eterno Futebol.
Valeu Manè, o gênio do futebol habilidade!
Hoje o futebol tá cheio de “MANÉS”… Mas em outro sentido… Thiago Heleno é um deles…
O maior “mané” do futebol atualmente é o Coelho. Será que se ele jogasse na época do Garrincha e tomasse um drible dele, sua reação seria igual ao drible do kérlon?
Pois é… É duro quando a gente um imbecil falando que se Pelé e Garrincha jogassem hoje teriam mais dificuldade. Já imaginou esse becaiada ruim marcando os dois? Espinoza marcando Garrincha e Tiago Heleno marcando Pelé?
Pois é… É duro quando a gente um im,be,cil falando que se Pelé e Garrincha jogassem hoje teriam mais dificuldade. Já imaginou esse becaiada ruim marcando os dois? Espinoza marcando Garrincha e Tiago Heleno marcando Pelé?
“Para Mané Garrincha, a superfície de um pequeno guardanapo era um enorme latifúndio” – Armando Nogueira
Belo texto!
Mané foi o maior jogador de todos os tempos. Pelé, é claro, está acima dele, mas Pelé não conta.
Com certeza. Assim como o Pepe se considera o maior artilheiro do Santos, porque o Pelé não vale.
De Armando Nogueira, no livro “O Homem e a Bola”: “Reverencio em Garrincha o herói de duas guerras (58 e 62) em que conquistou o mundo sem matar ninguém – só brincando de gato-e-rato. Vinha cá na intermediária. Velocidade zero. Num segundo, dava-se o arranque. Um metro adiante, a explosão muscular lançava-o no espaço com a leveza de um passarinho. Freva, arrancava de novo – e lá se ia o equilíbrio universal dos laterais”.
Nelson Rodrigues, comentando a estréia de Garrincha na Copa de 58, contra a União Soviética: “Creiam, amigos: o jogo Brasil x Rússia acabou nos três minutos iniciais. Insisto: nos primeiros três minutos de batalha, já o “seu” Manuel, já o Garrincha, tinha derrotado a colossal Rússia, com Sibéria e tudo o mais. E notem: bastava ao Brasil um empate. Mas o meu personagem não acredita em empate e se disparou pelo campo adversário, como um tiro. Foi driblando um, driblando outro e consta inclusive que, na sua penetração fantástica, driblou até as barbas de Rasputin”. (Crônica “Descoberta de Garrincha”, 15/6/1958, livro “À Sombras das Chuteiras Imortais”).
Mais adiante, na mesma crônica: “Os outros brasileiros poderiam tremer. Ele não e jamais. Perante a platéia internacional, era quase um menino. Tinha essa hunilhante sanidade mental do garoto que caça cambaxirra com espingarda de chumbo e que, em Pau Grande, na sua cordialidade indiscriminada, cumprimenta até cachorro. (…) Calculo que, lá pelas tantas, os russos, na sua raiva obtusa e inofensiva, haviam de imaginar que o único meio de destruir Garrincha era caça-lo a pauladas. De fato, domingo, só a pauladas e talvez, nem isso, amigos, talvez nem assim”.
Ambos os trechos sensacionais.
José Lino me emocionou com este maravilhoso texto. Mas, o Trovão Azul me fez chorar no primeiro comentário deste post. Era exatamente aquilo que acontecia todos os domingos quando o Praça XII saía para jogar por todos os cantos da minha querida Beagá. Que saudade, Karai!!!!!!!!!!!!!
Putz. O comentário do Trovão foi na gengiva mesmo. Me deu uma saudade dos meus tempos de Bela Vista, aquela tensão boa pré jogo…
Eu sempre foi grosso no futebol, mas sempre apaixonado. Nunca deixei descolar uma vaguinha nas peladas. Entrava nem que fosse por falta de opção, para completar o time ou pela amizade. Jogar mesmo, jogava pouco. Mas me divertia muito. Futebol sempre foi paixão e o meu joelho pagou o preço. Sempre fui feliz dentro de campo e sou fora dele, afinal, sou cruzeirense e não tem erro. Meu pai tambem sempre jogou e o meu irmão ainda joga até hoje.
Garrincha, grande craque. E para nosso orgulho eterno, já vestiu nossa camisa e defendeu o nosso escudo, ainda que por 1 jogo só. Um especialista dos melhores que já ví. Ví pouco, mas o pouco que ví dá para dizer que somente o travolta Joãozinho, sem contar o rei Pelé, driblava tão bem como ele. Não vejo como compara-lo a Pelé. Pelé para mim é o rei e sempre será. Igual a Pelé, nunca vi e acho que nunca verei. Ele é o REI eterno do futebol.